Parte III. Casos de ilustração da variação estatística
Há três artigos na série sobre Pensamento Estatístico:
- Parte I. Conceitos sobre Pensamento Estatístico: explica os três princípios que compõem o pensar estatisticamente.
- Parte II. Fazendo funcionar o Pensamento Estatístico: demonstra a importância de saber reconhecer as causas comuns e causas especiais de variação e a importância de os gerentes fazerem dois tipos de trabalhos, gestão do dia a dia e melhoria e inovação de seus processos.
- Parte III. Casos de ilustração da variação estatística: exemplos sobre como lidar com a variação mostrando diversos exemplos que se apresentam na vida real.
Introdução
Na Parte I da série mostramos os três princípios fundamentais do Pensamento Estatístico:
- Todo trabalho ocorre em um sistema de processos interconectados,
- Existe variação em todos os processos, e
- Compreender, analisar, quantificar e reduzir a variação são chaves para o sucesso do negócio.
Na Parte II explicamos que o Pensamento Estatístico não é só estatística; ele integra as ideias de processos, variação, análise, desenvolvimento de conhecimento, ação e melhoria da qualidade (Figura 1).

Na Parte III focamos no 3º princípio sobre Análise e Compreensão da Variação (parte que foi destacada na Figura 1). Apresentamos três exemplos (baseados em casos reais) para ilustrar boas práticas na análise e interpretação de dados. Boa parte dos dados dos exemplos foram simulados para representar melhor situações práticas.
O foco dos casos na parte analítica do pensamento estatístico não deve ser interpretado como um sinal de que essa parte é a mais importante. Um adágio conhecido diz que se deve evitar a elaboração de uma análise correta para o problema errado! Ou seja, o esclarecimento da Oportunidade real de melhoria (primeiro passo na Figura 1) é tão ou mais importante que a análise da informação.
Os exemplos constam de três partes:
- Situação. Explica-se aqui o contexto relacionado com o exemplo: quais os casos reais nos quais podemos aplicar o exemplo.
- Ilustração do conceito. Se mostra a forma errada (e, lamentavelmente, bastante comum) de interpretar os dados e se explica de forma simples como se devem interpretar de forma correta os dados do exemplo.
- Aprendizado e aplicação prática. Como aplicar os conceitos do exemplo na vida real.
Caso 1. Prefira gráficos a tabelas e utilize um período adequado de acompanhamento
Situação
Erros bastante comuns em reuniões gerenciais:
- Discussões a partir de tabelas ao invés de gráficos,
- Discussões que utilizam somente os dados do ano presente; ao terminar um ano iniciam-se discussões com dados somente do ano presente, ou também…
- Análise da evolução do negócio comparando o resultado do mês presente com o resultado do mesmo mês do ano anterior ao invés de avaliar simplesmente a evolução contínua das métricas chaves. Se faz isso muitas vezes sem existir sazonalidade evidente nos dados.
Ilustração do conceito
O diretor da empresa Animais Ltda, o senhor Dog, reúne seus gerentes no 4º trimestre do ano 5 e faz os seguintes questionamentos (veja as vendas trimestrais de 5 Unidades de Negócio apresentados na Tabela 1):
- “Acabo de receber o relatório trimestral de vendas. As vendas da Leão Voraz foram fantásticas. João, você não apenas incrementou suas vendas no último trimestre, como também apresentou um tremendo crescimento em relação ao ano anterior. Eu não sei como você consegue!”
- “Marcelo, as vendas da Gato Magro também foram excelentes. Você apresentou um crescimento no quarto trimestre e em relação ao ano anterior”
- “Sergio, as vendas da Tartaruga Express subiram no quarto trimestre, mas caíram em relação ao ano anterior. Você precisa descobrir o que fez anteriormente para que suas vendas fossem além do que se imaginava possível. Mesmo assim, seu desempenho no quarto trimestre foi bom”
- O diretor agora ia tratar as regiões problemáticas. “Márcia, as vendas da Urso Fofo oeste caíram no quarto trimestre, mas subiram em relação ao ano anterior. Eu não consigo entender como elas flutuam tanto. Você precisa de mais incentivos?”
- “Lora, as vendas da Galinha Caipira caíram no quarto trimestre e em relação ao ano anterior. Estou bastante desapontado com seu desempenho. Você era minha melhor vendedora. Eu tinha grandes expectativas em relação a você. Agora, só posso esperar que os resultados no primeiro trimestre mostrem algum sinal de vida”
- “Julio as vendas da Cachorro Fiel foram as piores de todas! As vendas caíram no 4º trimestre e em relação ao ano anterior. Como você explica isso? Você gosta do seu emprego? Eu desejo ver uma melhora estupenda nos resultados desse trimestre, senão…“

Analisando os dados da Tabela 1, as conclusões do diretor Dog até que fazem sentido. Mas será que ilustram corretamente a situação real das vendas das Unidades de Negócio? Analisemos agora os dados usando Pensamento Estatístico (dados na Tabela 2):
- Consideramos um período maior
- Usamos gráficos

Plotamos os dados da Tabela 2 na Figura 2. Ilustramos os trimestres mencionados pelo diretor com setas, ou seja, comparamos o quarto trimestre com o terceiro trimestre do mesmo ano e o quarto trimestre com o quarto trimestre do ano anterior. Agora a dinâmica dos negócios fica mais clara!
- A filosofia de João no Leão Voraz de encerrar o ano com fanfarras, fazendo com que os clientes ampliassem seus estoques fica evidente. Essa venda grande é seguida por um mês de vendas baixas. Ao longo de 5 anos o negócio não mostra evolução significativa.
- Marcelo, do Gato magro também não teve uma evolução importante, embora ter sido muito elogiado pelo diretor. Ele não tinha certeza de como tinha se saído tão bem, mas tinha certeza de que não iria mudar nada.
- Sergio, da Tartaruga express tentou esconder sua perplexidade. Embora ter recebido um pedido maior em novembro, tinha sido o primeiro pedido grande que ele havia conquistado em um longo tempo. O desempenho no 4º trimestre pode ter sido melhor que no trimestre anterior, mas por mera variação estatística, mas seu desempenho geral é sofrível.
- Márcia do Urso fofo teve uma evolução excelente. Vinha trabalhando duro nos último cinco anos, e tinha conquistado diversas contas novas. A análise parcial realizada com dados do último ano não refletiu esse desempenho excelente.
- Lora da Galinha caipira enrubesceu. Ela tinha vendido mais unidades no ano 5 do que no ano 4 e essa evolução tinha sido constante. “Mas o diretor sabe disso”, ela pensou. “Ele não passa de um paspalho pomposo”.
- Julio do Cachorro fiel ficou paralisado. Essa era uma região difícil, com muita concorrência. É claro que foram perdidos diversos clientes ao longo dos anos, mas foram substituídos por outros. Como podia estar se saindo tão mal?

Aprendizado e aplicação prática
Evite de considerar os dados de cada ano como compartimentos estancos. Há uma continuidade nos processos e negócios! Por esse motivo, quando acompanha resultados do negócio, por exemplo com frequência mensal, prefira acompanhar dados de 2 a 3 anos plotando os valores em gráficos de séries de tempo como os utilizados na Figura 2.
Caso 2. A constância em Matemática é diferente da constância em Estatística
Situação
Gestão de métricas de um processo de manufatura ou escritório. Exemplos de métricas: tempo de atendimento ao cliente, faturamento, disponibilidade de uma máquina, taxa de refugo de um processo.
- A redução do faturamento de um mês para o seguinte, permite inferir que houve melhoria na venda?
- A redução do faturamento de um mês para o seguinte, permite concluir que o processo melhorou?
- O aumento continuado nas vendas ao longo de 3-4 meses significa uma melhoria contínua nas vendas?
Ilustração do conceito
O raciocínio do diretor Dog da empresa Animais Ltda. do caso 1 representa bem este segundo caso. Quando ele compara o faturamento de um trimestre com o do trimestre anterior ou com o mesmo trimestre do ano anterior e extrai uma conclusão, ele está raciocinando matematicamente. E a vida real requer um pensamento estatístico! É o mesmo caso de uma pesquisa eleitoral. Quando o candidato A tem preferência de 20% do eleitorado e o candidato B tem preferência de 22%, somente concluímos a diferença é significativa quando ela supera o “erro” (usualmente variando entre 2-3%).

Na vida real esse “erro” está associado ao desvio padrão, uma medida de variabilidade dos dados que se pode interpretar – de forma conceitual – como a média dos desvios entre cada observação e a média geral (desvios ilustrados na Figura 3).
Expliquemos melhor a diferença entre pensamento matemático e pensamento estatístico:
- Em matemática, algo é constante ao longo do tempo quando tem o MESMO valor o tempo todo. Na Figura 4, a linha azul (a média do SISTEMA = 25) permanece constante.
- Em estatística, dizemos que um processo é constante quando é estável. Estabilidade significa manter o mesmo comportamento, ou seja, manter a mesma média e o mesmo desvio padrão ao longo do tempo.

A Figura 3 tem vinte resultados de vendas de um sistema estável com a mesma média do sistema (= 25) e o mesmo desvio padrão (= 6). Nesse período dizemos que o sistema NÃO MUDOU!
Pensando matematicamente concluiríamos que houve um aumento contínuo entre o resultado y10 e y14, mas estatisticamente não dá para concluir isso; esse aumento foi por obra do acaso! Conforme destaca Wheeler (2001): “A não diferenciação de causas comuns e especiais afeta a tomada de decisões nos negócios. Os gerentes que não compreendem o conceito de variação gastam uma tremenda quantidade de tempo e energia tentando explicar as causas comuns ou desprezando os sinais das causas especiais”.
Aprendizado e aplicação prática
Como o sistema tem variabilidade, os valores individuais não serão iguais à média real do sistema, nem mesmo a média da amostra de 20 observações (n = 20) será igual à média do sistema. A gestão adequada dos resultados de um processo só pode ser feita estando consciente que nem sempre a variação significa mudança real do processo. Deve-se dispor de um método para decidir se houve ou não mudança da métrica na direção desejada pelo negócio. Esse método denomina-se Controle Estatístico de Processos.
Como ficam os dados da empresa Animais Ltda do Caso 1 quando utilizamos o Controle Estatístico de Processos para fazer a gestão do processo? O gráfico da Figura 2 foi replicado na Figura 5 mas agora utilizando limites de controle adequados. As conclusões da Figura 5 ficam agora extremamente esclarecedoras para o diretor:
- Leão voraz não apresentou evolução nos 5 anos da sua gestão. Ficam evidentes os meses de “ação heroica”: aumento de vendas no último trimestre de cada ano e queda das vendas no 1º trimestre do ano seguinte.
- Gato magro apresentou crescimento, evidenciado por vários pontos acima do limite superior, mas esse aumento não tem boa sustentabilidade.
- Tartaruga Express mostra uma queda evidente a partir do 3º ano e ainda com tendência clara de piora.
- Urso fofo demorou para engatinhar, mas no último ano mostrou uma melhoria evidente.
- Galinha caipira apresenta boa tendência de aumento (pontos acima do limite superior).
- Cachorro fiel apresenta um processo estável. Não melhorou nos 5 anos, mas também não se pode inferir que tenha piorado.

Caso 3. Como concluir se o processo mudou após uma melhoria
Situação
Ao fazer melhorias em um processo deve-se confirmar se as melhorias foram efetivas para modificar alguma variável chave do processo:
- A melhoria conseguiu diminuir o consumo de vapor?
- A melhoria foi eficaz para aumentar as vendas de forma significativa?
- Após as mudanças realizadas no processo conseguimos diminuir volume de reclamações?
Ilustração do conceito
Por exemplo, a empresa Animais Ltda. fez melhorias na logística de entrega e deseja validar se as melhorias foram eficazes para reduzir o tempo de entrega (horas). Uma forma de avaliar isso seria checando se houve redução na média do tempo de entrega após melhorias. A Figura 6 representa essa situação. A conclusão parece obvia, pode-se afirmar que a melhoria foi efetiva porque o tempo médio após melhoria caiu (linha cinza).
Novamente estamos usando pensamento matemático ao invés de pensamento estatístico! O gráfico da Figura 6.A mostra a média Antes e média Depois; a média Depois é menor que a média antes, mas… como você sabe se essa diferença é “pra valer” (estatisticamente significativa) ou é mera variação do processo? O gráfico B mostra a média Antes e Depois, excluindo os valores individuais e o gráfico C é igual ao B, mas deixa evidente que voltamos ao Caso 2 no qual comentamos que não se pode comparar uma observação com outra e afirmar que houve mudança! A única diferença é que neste caso as “observações” são médias.

Aprendizado e aplicação prática
Ufa! Então como podemos concluir nesta situação? Novamente podemos utilizar o Controle Estatístico de Processos. O gráfico da Figura 7 deixa evidente que após a mudança não há sinais de causa especial que confirmem a eficácia das melhorias. Neste gráfico temos os mesmos dados da Figura 6.A no qual adicionamos os limites de controle.

A Figura 8 mostra uma situação diferente em que a melhoria foi eficaz. Há vários tempos após melhorias abaixo do limite inferior de controle, indicando a mudança do processso. Deve-se proceder a estabelecer novos limites de controle para refletir a queda do tempo de entrega.

O grande resumo
Se você é um funcionário regulando a umidade de um produto na produção, um analista de laboratório avaliando a concentração de um medicamento em uma empresa farmacêutica ou um gestor acompanhando as vendas da empresa está com o mesmo problema, isto é, decidir se o processo está estável, melhorando ou piorando. Em todos esses casos e diversos outros que dependem de decisões corretas baseadas em dados, leve em conta as dicas do artigo.
Evite os erros mais comuns:
❌ Comparar um dado com o anterior e tirar conclusões.
❌ Usar apenas médias sem considerar a variação.
❌ Ignorar a continuidade dos dados ao longo do tempo.
❌ Premiar ou punir com base em dados isolados.
Adote práticas estatísticas simples:
✅ Use ferramentas simples para decidir se o processo está estável ou mostra sinais de cambio (melhora ou piora). Uma destas ferramentas é o controle estatístico de processos.
✅ Às vezes o uso de ferramentas simples como plotar os dados em uma sequência temporal, permitirá extrair conclusões importantes sobre o comportamento do processo.
✅ Aumente a frequência de observação se quiser ter um maior controle do processo:
- Melhor tomar medidas semestrais do que uma medida por ano (exemplo, avaliação de desempenho).
- Melhor coletar medidas mensais do que semestrais. Ao coletar uma medida por mês, no fim do primeiro mês já terá passado quase 10% do ano! E esse mês já foi!
- Melhor coletar dados semanais do que mensais…
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Parte III. Casos de ilustração da variação estatística
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Efeito Matriz
A ANVISA publicou em 24 de julho de 2017 a RDC no 166, que estabelece os critérios para validação de métodos analíticos empregados em

Fazendo funcionar o Pensamento Estatístico – Parte 2
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Conceitos do Pensamento Estatístico – Parte 1
Há três artigos sobre Pensamento Estatístico: Parte I. Conceitos sobre Pensamento Estatístico: explica os três princípios que compõem o pensar estatisticamente. Parte II. Fazendo funcionar

Sorrindo com LSS e DFLSS Estilo Startup (Curva do sorriso)
A vida das empresas não é moleza neste mundo atual de incertezas e mudanças aceleradas. A única certeza é que a batalha pelos clientes