Agile e DMAIC
Nos últimos anos, muitas empresas estão procurando implementar o Agile, uma metodologia criada para promover melhorias nas atividades de forma rápida e eficaz com foco no cliente e nas pessoas da empresa.
Logo, surgem várias questões:
- A metodologia Agile pode ser aplicada em qualquer tipo de problema ou de melhoria?
- A metodologia Agile irá substituir outras metodologias, tais como Lean Six Sigma ou Kaizen?
- A metodologia Agile pode ser aplicada junto com a metodologia DMAIC?
Para responder a essas perguntas, devemos explorar um pouco os princípios da metodologia Agile. O objetivo aqui não é fazer uma descrição completa da metodologia, mas somente descrever as suas diretrizes básicas.
Origem do Agile
Inicialmente, a metodologia Agile foi criada para desenvolvimento de softwares, inspirada no movimento Lean da Toyota.
O desenvolvimento de softwares é uma atividade complexa que contém cinco armadilhas:
- Querer construir um software completo com uma infinidade de recursos para atender a todas as necessidades do usuário e do cliente.
- Acreditar que todas as necessidades do usuário e do cliente têm a mesma importância.
- Acreditar que os requisitos do cliente e do usuário permanecerão inalterados durante o período de desenvolvimento.
- Planejar todas as atividades no início do projeto e querer executá-lo sem alterações.
- Envolver o cliente e o usuário somente no início e no fim. No início para conhecer as suas necessidades e no fim para avaliar o produto final.
Como consequência, frequentemente o prazo e o orçamento estouram e o resultado final não atende às principais necessidades dos clientes. Para enfrentar esses problemas, um grupo de especialistas do setor publicou o Manifesto Agile contendo os valores e os princípios para o desenvolvimento de softwares.
A metodologia Agile adota um processo iterativo em que os clientes são ouvidos em cada iteração (denominada Sprint), permitindo que o escopo seja atualizado, acompanhando a mudança de visão do cliente. Consequentemente, o foco é sempre as necessidades atualizadas do cliente e do usuário. Além disso, as equipes de trabalho se autogerenciam. Os membros da equipe planejam as atividades em cada iteração, considerando as prioridades do cliente e a disponibilidade de recursos. Os membros da equipe têm autoridade exclusiva para decidir a divisão do trabalho e para estimar os prazos de entrega das atividades. Ao invés de impor prazos, o Gerente de Projeto tem a função de negociar com todas as pessoas envolvidas e remover obstáculos que impeçam o sucesso da equipe. Normalmente, cada membro da equipe tem uma área de especialização. No entanto, espera-se que cada especialista trabalhe fora de sua especialidade e contribua para o esforço da equipe, em todos os momentos.
Um aspecto fundamental é a facilidade de comunicação entre os membros da equipe. Para isso, é comum que as pessoas de um projeto trabalhem na mesma sala.
O processo interativo praticamente garante que o orçamento e o prazo final sejam respeitados, uma vez que a equipe sempre está ouvindo o cliente. O resultado final será um software utilizável que atende aos requisitos mais importantes.
Atualmente existem vários métodos de aplicação dos princípios Agile, sendo os mais importantes:
- Scrum.
- Lean.
- Crystal.
- DSDM (Dynamic Systems Development Method).
- XP (Extreme Programming).
Scrum
O Scrum é o método mais popular da metodologia Agile. Na realidade, o Scrum foi criado em 1995, seis anos antes do Manifesto Agile ser publicado. O método Agile foi inspirado no Scrum e procurou traduzir as técnicas do Scrum em um conjunto de princípios gerais. Agile são princípios, enquanto o Scrum é um método de aplicação. A metodologia Scrum consiste na aplicação de vários ciclos de desenvolvimento (denominado Sprints) nos quais as atividades são realizadas. Resumidamente, a metodologia Scrum envolve os seguintes passos [1]:
1. Criar a lista de Backlog ou lista de Histórias.
História é uma frase curta que descreve o que precisa ser feito para atender às necessidades do cliente e do usuário. Portanto, o Backlog reúne todas as características e funções desejadas pelo cliente.
2. Priorizar as Histórias.
Ordenar as Histórias de acordo com o grau de importância para o cliente.
3. Planejar o Sprint.
Sprints são as iterações dentro do projeto, que sempre tem uma duração definida de tempo menor que um mês. Respeitando a prioridade das Histórias, a equipe escolhe aquelas que serão desenvolvidas no Sprint. Nesse momento, é importante que a equipe compreenda as expectativas do cliente e os critérios de aceitação de cada História.
4. Tornar o trabalho visível.
A equipe gerencia a execução das Histórias no Sprint através de quadros de gestão à vista.
5. Reuniões diárias ou Scrum diário.
Todos os dias, no mesmo horário, durante não mais do que 15 minutos, a equipe se reúne para compartilhar o desenvolvimento das tarefas. O objetivo é conhecer as dificuldades enfrentadas, a fim de remover obstáculos e obter ajuda. Essa reunião também é chamada de “Stand up Meeting” porque as pessoas ficam de pé na reunião para que não demore mais do que 15 minutos. A finalidade do Scrum diário não é resolver problemas. A reunião simplesmente comunica os eventuais problemas aos membros da equipe. Seguindo o princípio do empowerment, o responsável pela tarefa tem a liberdade de decidir como o problema será enfrentado. Se ele considerar que precisa de ajuda, reuniões posteriores poderão ser realizadas, somente com as pessoas necessárias para resolver o problema.
6. Revisão ou Demonstração do Sprint.
A equipe deve demonstrar, em uma reunião, que as tarefas concluídas atendem aos critérios de aceitação e que podem ser entregues ao cliente sem qualquer trabalho adicional. Durante a execução dos próximos Sprints, os clientes testam o produto e avaliam se os itens entregues atendem às suas expectativas.
7. Retrospectiva do Sprint.
Depois de mostrar o que conseguiu fazer no Sprint anterior, a equipe avalia o que deu certo e o que poderia ter sido melhor e define as melhorias (kaizen) que podem ser implementadas de forma imediata, no próximo Sprint. Concluída a reunião de Retrospectiva do Sprint, inicia-se a reunião de planejamento do próximo Sprint. Esse ciclo se repete até o momento em que todos decidirem que o projeto deve ser encerrado, respeitando prazo e orçamento.
Agile e Lean Six Sigma
Criado inicialmente para o setor de informática, a metodologia Scrum está sendo aplicada para realizar melhorias em outros setores, tais, como automotivo, aviação e logística.
A metodologia Scrum é bastante flexível e, como vimos anteriormente, o seu sucesso está ancorado em quatro pilares:
1. Histórias bem definidas.
2. Pessoas da equipe capacitadas, dedicadas ao projeto e com autoridade de decisão.
3. Gestão do Sprint e das atividades diárias.
4. Melhoria contínua do processo de Sprint.
Embora a descrição e a priorização das Histórias possam mudar durante o desenvolvimento, a História define claramente o que deve ser feito e a equipe define como fazer e gerencia as atividades diárias. A gestão do Sprint e das atividades diárias é o ponto forte da metodologia. O acompanhamento constante imprime um ritmo forte ao desenvolvimento, mantendo o foco nos requisitos do cliente e nos recursos disponíveis.
Talvez a gestão seja a característica que mais atrai as empresas, que precisam dar respostas rápidas e eficazes a seus clientes e acionistas. Portanto, é tentador responder afirmativamente as duas primeiras perguntas do início desse artigo:
1. A metodologia Agile pode ser aplicada em qualquer tipo de problema ou de melhoria.
2.A metodologia Agile pode ser uma alternativa a outras metodologias.
É isso? Bem…Infelizmente, não. Os pilares mostram que a definição das Histórias é um ponto crítico da metodologia. A questão é saber se determinada História é realmente importante, apesar do cliente dizer que sim. Suponha, por exemplo, que o objetivo de um projeto é reduzir os atrasos na compra de materiais. Ouvindo todas as pessoas envolvidas nesse processo, o líder do projeto escreveu a seguinte História:
“Como comprador, eu quero que as especificações de todos os materiais estejam corretas e completas para informar os fornecedores rapidamente.”
Com isso, a equipe dá início às tarefas de revisão do cadastro de todos os materiais e de revisão do processo de cadastro para evitar que novos erros ocorram no futuro. Para organizar o trabalho, os materiais são classificados em várias categorias para que as revisões possam ser feitas em vários Sprints.
Depois de algumas semanas, constata-se que os erros no cadastro são poucos e que as correções não contribuem para diminuir os atrasos na compra. Então… Porque essa História foi escrita? Os motivos podem ser os mais diversos e, muitas vezes, nem vale a pena conhecê-los. O fato é que antes de implementar uma solução, a equipe do projeto deveria verificar se especificações incompletas é realmente uma causa importante do atraso de compras. Ou seja, é preciso coletar dados e fatos para confirmar ou rejeitar a opinião de que os cadastros estão incompletos. Quantos processos de compra enfrentaram problemas de especificação? De uma amostra de cadastro de materiais, quantos estão incorretos?
A análise da causa raiz não é muito enfatizada na literatura da metodologia Agile/Scrum e isso pode ser o calcanhar de Aquiles da metodologia. Existe o risco das pessoas partirem para soluções sem confirmarem as causas. Sendo assim, algumas orientações e ferramentas do Lean Six Sigma ou do Kaizen poderiam enriquecer a metodologia Agile/Scrum. Especificamente, a orientação de confirmar as causas raízes com fatos e dados. Nesse caso, a seguinte História poderia ser escrita:
“Como gerente de compras, eu quero saber quantos atrasos de compra ocorreram devido às especificações incorretas ou incompletas para avaliar a necessidade de revisar o cadastro e o processo de cadastramento.”
Dessa forma, a equipe iria buscar informações que confirmem a causa antes de procurar ou implementar uma solução. A confirmação das causas raízes é um principio básico do Lean Six Sigma e do Kaizen. Com esse cuidado em vista, poderíamos aproveitar os aspectos positivos de todas as metodologias, ou seja:
1.Escrever as Histórias, inspirado na metodologia DMAIC.
2.Desenvolver as Histórias em Sprints, aplicando as ferramentas do Lean Six Sigma (diagrama de causa e efeito, 5 porquês, análise de dados, etc.).
3.Adotar gestão à vista para acompanhar a evolução do projeto.
4.Realizar reuniões diárias de 15 minutos para a equipe compartilhar os seus sucessos e dificuldades.
5.Confirmar a eficácia das soluções implementadas, ou seja, verificar se atendem às necessidades dos clientes e das demais pessoas envolvidas no processo. Etapa Controlar do DMAIC.
Os passos acima reúnem o rigor e as ferramentas da metodologia DMAIC com a simplicidade do método de gestão da metodologia Agile/Scrum. A autonomia e a autoridade da equipe são mantidas, uma vez que as duas metodologias defendem esse princípio. Note que esses passos podem ser aplicados durante todo o desenvolvimento do projeto e não somente na etapa Melhorar do DMAIC para gerenciar a implementação das soluções. Portanto, podemos responder afirmativamente à terceira pergunta feita no início desse artigo: a metodologia Agile pode ser aplicada junto com a metodologia DMAIC.
As empresas podem fundir ou adaptar as metodologias para atender às suas necessidades específicas e garantir que as soluções sejam eficazes. No entanto, tenham cuidado para não complicar demais a metodologia. Simplicidade é base fundamental do Lean Six Sigma e do Agile.
Referências:
- Sutherland, Jeff & Sutherland, J. J. “Scrum: a arte de fazer o dobro do trabalho na metade do tempo” (2016). Editora Casa da Palavra / Leya, 2ª ed.
- Rigby, Darrell K.; Sutherland, Jeff; Takeuchi, Hirotaka. (2016). “Embracing Agile”. Harvard Business Review.
- Imai, Masaaki. “Kaizen – A estratégia para o sucesso competitivo”. (1988). Editora Imam.
- Imai, Masaaki. “Gemba Kaizen Uma abordagem de bom senso à estratégia de melhoria contínua”. (2014). Editora Bookman, 2ª ed.
- Sobek, Durward K.; Smalley, Art. “Understanding A3: a critical component of Toyota’s PDCA management system”. (2008). CRC Press.
- Urich, Dave; Kerr, Steve; Ashkenas, Ronald. “O Work-out da GE”. (2003). Qualitymark Editora.
- “Estratégia Lean Seis Sigma”. Livros de treinamento de Green Belt / Black Belt. M.I. Domenech.
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