Papel da liderança na melhoria contínua
Papel da liderança na melhoria contínua – Quando pensamos em desenvolver uma cultura dentro de uma organização é necessário primeiramente entender o que significa cultura. A palavra cultura, do Latim, quer dizer “ato de plantar e desenvolver plantas, atividades agrícolas”, de colere, “cuidar de plantas” (Koutantos, 2009, p.50). Posteriormente a palavra contemplou em seu significado o ato de cultivar a mente, os conhecimentos e a educação. Neste sentido podemos entender cultura como aquilo que cultivamos, ou seja, as ideias e comportamentos que valorizamos: “O comportamento é função do valor” (Ribeiro, 2005).
Por esta perspectiva podemos inferir que se a empresa valoriza o resultado em detrimento dos meios para atingi-los provavelmente essa empresa estará cultivando a cultura “do predador”.
Assim como uma planta leva tempo para ser cultivada, uma cultura na empresa não é criada do dia para noite. A empresa deve preparar o solo, adubar, regar, podar etc, portanto a empresa que tem como foco a criação de uma cultura de excelência operacional e melhoria contínua deve incentivar hábitos, ideias e comportamentos a fim de cultivar, efetivamente, a cultura de melhoria contínua.
A melhoria da qualidade é muito diferente do ‘combate a incêndios’. A melhoria contínua é um processo complementar as mudanças radicais consideradas pela reengenharia, Juran (1990).
Segundo Aristóteles, filósofo Grego (384 – 322 a.C.), nós somos consequência do que fazemos repetidamente, nossos comportamentos habituais, portanto a excelência não é um feito, mas sim um hábito.
A base de uma cultura de excelência está na criação de hábitos adequados para o desenvolvimento desta cultura. Conforme Covey (2000), a boa notícia é que podemos desenvolver nossos hábitos, sendo que hábitos são resultado de três fatores: conhecimento, habilidade e atitude.
Neste sentido podemos considerar conhecimento como saber o que deve ser feito, habilidade como saber como fazer o que deve ser feito e atitude como querer fazer o que deve ser feito.
Na empresa cada indivíduo reflete sobre estes três fatores questionando-se sobre o que deve fazer para contribuir com a empresa, como deve fazer para convencer as pessoas a colocar em prática as suas ideias e porque quer fazer algo além do que determina a descrição de cargo, ou seja, o que ganha com isso? Sendo que neste momento não estamos considerando, essencialmente, o reconhecimento financeiro, mas sim um ambiente produtivo, criativo e motivador.
A fim de contribuir com as reflexões individuais, pela perspectiva de conhecimento aqui tratada, a empresa deve explicitar o seu propósito, fazendo o desdobramento de sua estratégia, mostrando claramente o seu “norte verdadeiro” para que cada pessoa saiba como pode contribuir com a empresa para atingir o propósito maior.
Conta-se que, quando o presidente Kennedy visitou o Cabo Canaveral perguntou ao porteiro: “Então qual é o seu trabalho?”. O funcionário, orgulhosamente, respondeu-lhe: “Ajudo a colocar o homem na Lua!” esse porteiro evidentemente entendeu o propósito da empresa que trabalhava, Marlier (2009).
No campo das habilidades, ou seja, saber como fazer o que deve ser feito, colocar em prática as ações que levará a empresa a atingir os seus objetivos, devemos ter um alto nível de treinamento das pessoas, ciente de que já existem desenvolvidas no mercado diversas metodologias e ferramentas de excelência operacional, onde o Lean Seis Sigma destaca-se como uma poderosa ferramenta, isso normalmente chamamos de a parte “hard” do processo de melhoria contínua.
No que tange a outra parte do processo de melhoria contínua, a parte “soft”, ou seja, aquilo que tratamos aqui como a atitude, porque eu quero fazer mais do que determina a descrição de cargo, porque eu quero contribuir para o desenvolvimento da empresa, quais são os motivos que me impulsionam e me levam a envolver aos outros (Figura 1).
A palavra motivação é a união de duas palavras motivo + ação e, neste contexto, quer dizer dar motivos para as pessoas agirem em prol da melhoria contínua. Persuadir as pessoas da empresa no trabalho de melhoria de produtos, processos e serviços como meio para atingir o alto desempenho e a perenização do negócio.
Dar motivos para as pessoas da empresa a querer fazer, é um dos pontos mais importantes do processo de criação de uma cultura de excelência. Para exemplificar, é de amplo conhecimento que todos sabem o que deve ser feito para emagrecer. Não é a falta de saber, conhecimento. A atitude principal está em querer fechar a boca, ter vontade e disciplina para fazer o que todos sabem que deve ser feito, portanto querer fazer.
A maneira como as pessoas agem e se comportam em relação a excelência e melhoria contínua é o que diferencia uma empresa da outra. Quando afirmamos que as pessoas são o maior ativo de uma empresa é realmente isso, seu concorrente pode comprar as mesmas máquinas, pode ter os mesmos custos de energia elétrica, matéria prima, mão de obra etc, mas ele não pode “comprar” uma cultura de excelência, a capacidade da empresa de progredir continuamente.
Uma possível definição para vantagem competitiva é aquilo que uma empresa tem e a outra empresa vai demorar a ter, ou seja, a cultura de excelência e melhoria contínua é um fator diferencial para qualquer empresa em quaisquer ramos de atuação.
Segundo Aristóteles, tutor de Alexandre O Grande, que conquistou quase todo o mundo conhecido de seu tempo existem três modos de persuasão: Logos, Pathos e Ethos, ou seja, podemos persuadir as pessoas a se dedicarem a melhoria contínua através da razão (Logos) dando argumentos lógicos para fazerem isso, o que é o mais fácil, pois todos nós sabemos do custo Brasil e da concorrência Asiática, por exemplo.
O segundo modo é a paixão (Pathos), valorizar e reconhecer as iniciativas e as pessoas. Fazer todos se empolgarem em fazer parte do progresso da empresa, participar de algumas escolhas e decisões sobre o seu próprio trabalho. A falta de paixão no ambiente de trabalho pode gerar patologias na empresa.
O terceiro modo é o comportamento (Ethos), principalmente o comportamento da liderança. O exemplo da liderança é fundamental, não é uma questão de belas palavras, mas de colocar a mão na massa seja fazendo, participando, apoiando ou incentivando.
De acordo com Marlier (2009) “As pessoas ouvem o que você faz”, a importância e a dedicação que a liderança dá a melhoria contínua refletem diretamente na cultura de excelência da empresa. “A palavra move, mas o exemplo empurra”, Santo Agostinho (séc. IV).
A utilização dos três modos de persuasão juntos, Logos, Pathos e Ethos, são uma maneira poderosa de engajar as lideranças e todos na empresa nos objetivos estratégicos do negócio, Marlier (2009).
É difícil medir a importância de alguma coisa, mas em nosso caso podemos inferir que importância é igual ao tempo investido. Uma medida da importância que sua empresa dá ao processo de melhoria contínua pode ser respondida através da pergunta:
Quanto tempo na semana um líder típico da empresa se dedica a melhorar os processos, produtos e serviços?
As melhorias sempre acontecem, são as melhorias de forma intuitiva, porém a grande questão é como chegar mais longe e mais rápido. Para isso preferimos abordar o processo de melhoria contínua e excelência de uma forma estruturada, utilizando as corretas metodologias e ferramentas. Desta forma a pergunta é: Quanto tempo na semana um líder típico da empresa se dedica de maneira estruturada a melhorar os processos, produtos e serviços?
Se sua empresa quer desenvolver ou aprimorar os processos de melhoria contínua visando a excelência, então comece mudando, ou aprimorando, a maneira de pensar e agir dos líderes, gerentes e diretores de sua empresa, caso contrário você fatalmente cairá no uso isolado de ferramentas e metodologias, no descrédito das equipes operacionais, nos programas de melhoria que passam como ondas ou até podendo chegar a confundir o uso isolado de uma ferramenta com excelência operacional.
Uma possível e disciplinada maneira para dar o primeiro passo na direção de dar importância e cultivar os hábitos adequados nas equipes a fim de desenvolver a cultura de excelência e melhoria contínua é aplicar as VHMI (Visitas da Hierarquia sobre Melhorias Implantadas). Nestas visitas os gerentes e diretores vão até o GEMBA, palavra japonesa que significa “onde as coisas acontecem”, e verificam as melhorias implantadas nesta determinada área, setor ou departamento.
Baseado em um dos princípios do Toyota Production System (TPS), o Genchi Genbutsu, palavra japonesa que significa ir à fonte, buscar os fatos, tomar as decisões corretas, construir o consenso para atingir os objetivos, Imai (1997); os gerentes e diretores verificam em “loco” as melhorias implantadas, conversam com as pessoas buscando um consenso sobre a efetividade das melhorias, resultados, reconhecendo e estimulando os envolvidos a continuamente melhorarem seus produtos, processos e serviços.
Importante destacar que esta visita não tem como objetivo acompanhar o andamento das ações (follow-up) nem de discutir intenções para o futuro, estas serão discutidas na próxima VHMI. Nesta VHMI o objetivo é verificar e reconhecer em “loco” as melhorias efetivamente implementadas, os resultados, as necessidades, a capacitação, o entendimento dos problemas e os obstáculos do processo de melhoria contínua a fim de superá-los.
“A teoria cognitiva social afirma que o comportamento é resultado de uma interação entre processos cognitivos e acontecimentos exteriores. De acordo com Bandura, o indivíduo é motivado para se envolver em comportamentos, cujo resultado é valorizado, e que ele se sente capaz de desempenhar eficaz-mente” (Oliveira, 2006, pag 48).
Ao trabalhar Logos, Pathos e Ethos o comportamento da direção muda em relação a importância do processo de melhoria contínua, verificando em “loco” o que foi feito, o que não foi feito, os porquês, reconhecendo as pessoas pelo esforço e pelo resultado, comparando e conectando as áreas, estimulando as equipes, apoiando e suportando as iniciativas, a mudança cultural aparece como efeito do novo comportamento.
Segundo Joseph Juran os executivos deveriam dedicar muito mais tempo à melhoria, a Figura 2, ilustra o investimento do tempo em melhoria contínua segundo os níveis hierárquicos na organização.
A frequência das VHMI deve ser estudada por cada empresa, entendo como uma boa frequência que cada área seja visitada uma vez por trimestre, o que deve geralmente representar nas agendas dos gerentes e diretores uma visita semanal de uma hora de duração, ou seja, aproximadamente 2,5% da carga de trabalho. Um razoável valor de investimento para um tema altamente importante para uma empresa que deseja realmente desenvolver uma cultura de melhoria contínua e excelência como um diferencial competitivo.
Referências bibliográficas
- Marlier, Didier. Engaging Leadership. Palgrave Macmillan. 2009
- Koutantos, Dimitrios. Dicionário de Etimologia. São Paulo. 2009
- Imai, M. Gemba kaizen. New York: McGraw-Hill, 1997
- Oliveira, Patrícia. Comportamentos para Saúde. São Paulo. 2006
- Juran, J. M. Juran na liderança pela qualidade. São Paulo: Editora Pioneira, 1990
- Jager, B. et al. Enabling continuous improvement: a case study of implementation. Journal of Manufacturing technology Management, v. 15, n. 4, p. 315-324, 2004
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