Saber Profundo – Propagação de erros em medição
- O estudo de Repetibilidade & Reprodutibilidade é utilizado para avaliar a variação de um sistema de medição. No entanto, os valores de repe e repro não incluem a exatidão e a incerteza da calibração dos equipamentos de medição.
- Mostra-se como reunir essas informações para obter a incerteza total da medição.
Introdução
Um princípio básico do LSS é conhecer o processo profundamente, a partir de fatos e dados, para que as soluções desenvolvidas sejam efetivas em melhorar o processo. Nesse sentido, a confiança nos dados e nos sistemas de medição é fundamental.
A avaliação do sistema de medição (MSA) procura avaliar a exatidão e a precisão do sistema de medição (Figura 1).
A exatidão é avaliada através das atividades de calibração que, grosso modo, consiste em realizar várias medições em um padrão de valor conhecido. A diferença entre a média das medições e o valor conhecido do padrão é a exatidão.
A precisão é avaliada através de estudos de repetibilidade e reprodutibilidade (R&R). A repetibilidade mede o grau de concordância das medições quando não há variação dos fatores que podem contribuir para a variação das medições, enquanto que a reprodutibilidade mede o grau de concordância das medições quando pelo menos um dos fatores é modificado (Figura 2).
Em geral, o fator modificado são os analistas, ou seja, a repetibilidade mede a variação das medições realizadas por um único analista nas mesmas condições e a reprodutibilidade mede a variação das medições entre diversos analistas.
Por exemplo, considere a medições de comprimento utilizando uma régua. Nós podemos pedir a várias pessoas que meçam várias vezes um bloco padrão de comprimento conhecido (Figura 3).
A partir das medições, podemos calcular a média e o desvio padrão das medições. A diferença entre a média e o valor conhecido do bloco padrão nos dá o desvio (exatidão) e o desvio padrão nos dá a precisão.
Esse exemplo é bastante simples, mas ainda temos algumas questões:
- Se o desvio (exatidão) não é igual a zero, isso significa que devemos corrigir os valores medidos, somando ou subtraindo o valor do desvio?
- Como avaliamos a exatidão e a precisão quando não temos um padrão e a medição é o resultado de um cálculo? Por exemplo, o valor da densidade é o resultado da divisão de duas medições: massa e volume.
A resposta da primeira pergunta é não. Se o desvio for pequeno, não vale a pena corrigir as medições e, nesse caso, podemos somar o desvio e a precisão e considerar essa soma como a incerteza total da medição.
Na segunda questão, nós podemos estimar a exatidão e a precisão a partir dos sistemas de medição de massa e volume, utilizando técnicas de propagação de erros.
Para mostrar como podemos compor os desvios e as precisões de vários sistemas de medição, vamos utilizar a medição de densidade como exemplo.
Medição de densidade
O primeiro passo para determinar a incerteza de um sistema de medição é construir um fluxograma das atividades, de preferência acompanhando uma pessoa fazendo a medição (Figura 4).
Figura 4 – Medição de densidade
A partir do fluxograma, devemos listar todos os fatores que contribuem para a variação da medição, como mostra o diagrama de causa e efeito (Figura 5). Note que os fatores estão agrupados de acordo com as medições utilizadas para calcular a densidade: massa e volume.
Agora, devemos estimar o efeito dos fatores sobre a incerteza da medição de densidade (exatidão e precisão). Não precisamos fazer a estimativa para cada fator separadamente; podemos planejar um estudo de repetibilidade e reprodutibilidade (R&R) para estimar o efeito dos fatores como um todo.
Estudo R&R
Um possível plano para o estudo de R&R pode ser:
- Coletar 3 amostras com densidades distintas.
- Para cada amostra, coletar sequencialmente 12 frascos de 1,5 litros. Os frascos devem ser identificados com a amostra e com o número do frasco.
- Distribuir aleatoriamente os frascos entre 4 analistas.
- Cada analista irá medir a densidade uma vez em cada frasco que recebeu.
A Figura 6 resume o plano do estudo. Este plano permite estimar o efeito conjunto dos fatores destacados em vermelho na Figura 5.
O objetivo de coletar 12 frascos consecutivos é incluir o efeito do processo de amostragem na incerteza da medição. Os frascos devem ser coletados em sequência com um intervalo de tempo muito pequeno entre as coletas para que não ocorram mudanças na fonte da amostra. Ou seja, estamos assumindo que a amostra é a mesma em todos os frascos e que eventual diferença entre os frascos se deve ao processo de amostragem.
Um aspecto importante é que os analistas meçam a densidade dos seus frascos em sequência aleatória e não simultaneamente.
Por exemplo, se o analista A medir a densidade dos 3 frascos da amostra 1 ao mesmo tempo, deixaremos de incluir no estudo o efeito da dilatação do balão volumétrico. Por outro lado, se o analista medir um frasco de manhã, outro á tarde e o terceiro á noite, a temperatura do laboratório mudaria e, consequentemente, a dilatação do balão volumétrico seria diferente. Evidentemente, não conseguimos avaliar o efeito isolado da dilatação do balão volumétrico, mas o efeito está presente, junto com os demais efeitos.
Tabela 1 – Estudo de R&R – medições de densidade (g/L)
A Tabela 1 apresenta as medições obtidas no estudo de R&R, em g/L. Podemos lançar os dados no Minitab e calcular o desvio padrão da repetibilidade e da reprodutibilidade no procedimento Estat\ Ferramentas de Qualidade\ Estudo de Medição\ Estudo de Medição R&R (Cruzado) (Figura 7).
Figura 7 – Resultados do estudo repetibilidade e reprodutibilidade
O desvio padrão de R&R é 0,69134 g/L. O próximo passo é obter o desvio (exatidão) e o desvio padrão (precisão) dos fatores não considerados no estudo de R&R: calibração da balança e calibração do balão volumétrico.
Calibrações
Os certificados de calibração da balança e do balão volumétrico fornecem as informações necessárias para calcular a incerteza total (Tabela 2).
Tabela 2: Calibração Balança e Balão Volumétrico
A calibração da balança indica um desvio de 0,01 g, de modo que podemos subtrair esse valor dos valores medidos para obter o valor “correto”. Como o valor do desvio é pequeno, iremos somar o desvio e a incerteza para obter a incerteza total da balança.
Nós não podemos somar diretamente os dois valores (0,01 + 0,02); devemos somar as variâncias (Tabela 3).
Tabela 3: Calibração Balança e Balão Volumétrico
A Tabela 3 mostra que o desvio padrão do desvio é igual à incerteza dividida por raiz(3) (1,7321). Esse fator foi escolhido porque estamos aceitando a hipótese de que o desvio tem uma distribuição uniforme.
O desvio padrão da incerteza é igual á incerteza dividida por 2. Esse valor é o fator de abrangência que geralmente consta nos certificados de calibração. No entanto, se o valor informado for diferente (2,5, por exemplo), dividimos a incerteza pelo valor informado.
O quadrado do desvio padrão fornece a variância. A soma das variâncias, para a balança, é igual a 0,000133 e o desvio padrão da incerteza total da calibração é dado por Sbalança = raiz(0,000133) = 0,0115 g.
Da mesma forma, podemos calcular o desvio padrão da incerteza da calibração do balão volumétrico: Sbalão = raiz(0,013333) = 0,1155 mL.
O próximo passo é combinar os desvios padrões calculados.
Combinação dos desvios padrões
As regras para combinar os desvios padrões podem ser encontradas na referência 1 – Guia para a expressão da incerteza de medição.
Primeiramente, vamos combinar os desvios padrões da massa (balança) e do volume (balão volumétrico). Como a densidade é a divisão da massa pelo volume, não podemos simplesmente somar as variâncias. Devemos somar os quadrados da incerteza relativa, conforme:
A Tabela 4 apresenta os cálculos. Note que o desvio padrão do balão volumétrico foi convertido para litros.
Tabela 4: Combinação dos desvios padrões – massa e volume
O valor 0,0002244 destacado em amarelo na tabela 4 é o valor da incerteza relativa S/Densidade. Logo, para obter o desvio padrão da combinação das calibrações, basta multiplicar a incerteza relativa calculada pelo valor da densidade:
Finalmente, podemos combinar o desvio padrão da densidade, devido às calibrações, com o desvio padrão do estudo de R&R, somando as variâncias (Tabela 5).
Tabela 5: Combinação dos desvios padrões – densidade e estudo R&R
A incerteza total da medição de densidade é igual ao desvio padrão multiplicado por um fator de abrangência. Usualmente, o fator de abrangência é igual a 2: Incerteza total = 2 x 0,8395 = 1,679 g/L. O que significa fator de abrangência igual a 2 e Incerteza total de 1,679?
Suponha que medimos a densidade de uma amostra e obtivemos o valor de 61 g/L. Isso significa que existe aproximadamente 95% de confiança que o valor correto está entre 59,321 (61 – 1,679) e 62,679 (61 + 1,679).
Ou seja, não sabemos realmente qual é o valor verdadeiro. O valor mais provável é 61 g/L e temos 95% de confiança de que o valor verdadeiro está entre 59,321 e 62,679.
Conclusões
Os Belts que trabalham em laboratórios ou que conhecem a norma 17025 sempre se preocupam com a combinação das incertezas dos fatores que interferem em um sistema de medição.
Apesar de existirem regras para a propagação de erros, a combinação das incertezas pode ser bastante trabalhosa. Melhor resultado pode ser obtido através de um estudo de repetibilidade e reprodutibilidade bem planejado.
Depois que obtivermos o desvio padrão do R&R, podemos acrescentar mais facilmente os desvios padrões dos demais fatores para obter a estimativa da incerteza total do sistema de medição.
Manoel Telhada
Referências
- ABNT/INMETRO. Guia para a Expressão da Incerteza de Medição (GUM). Terceira edição brasileira em língua portuguesa. Rio de Janeiro: ABNT, INMETRO, 2003. 120 p.
- EURACHEM/CITAC. Quantifying Uncertainty in Analytical Measurement. 2ª ed., 2000. Disponível em: www.measurementuncertainty.org.
- ABNT NBR ISO/IEC 17025:2005 Versão Corrigida 2:2006.